Não faltou a boa iniciativa privada: o Barão de Mauá tentou, Delmiro Gouveia também, e o Amaral Gurgel… Boas ideias, bons produtos: os compressores da Embraco, a engenharia de infraestrutura da Oldebrecht, os aviões da Embraer… Literatos e pensadores: Machado, Mário de Andrade, Celso Furtado, Anísio Teixeira. Humanistas, de Cândido Rondon a Darcy Ribeiro. Tecnólogos, de Santos Dumont e Álvaro Alberto ao infortunado Othon Pinheiro. Iniciativas de governo: a siderurgia, o petróleo, a pesquisa agrícola, a indústria de defesa; os institutos científicos, as universidades, o ensino técnico. O melhor projeto social: educação e saúde prometidas a todos.
Por que não emplacamos?
Do pau-brasil à cana-de-açúcar o algodão, o café; agora, a soja e o milho, o ferro e o óleo cru. Por que não se diversifica a pauta de exportações, amplia-se a produção local de bens com valor agregado, desenvolve-se tecnologia própria de sementes e processos industriais, rasgam-se ferrovias, navega-se por todos os oceanos, parte-se para a almejada integração soberana e pacífica com os outros povos? Por que suportar a eterna lenga-lenga de bacharéis arrogantes, políticos safados, mídia mentirosa e salvadores da pátria? Por que é tão grande a cacetada que nos pespegam a cada vez que levantamos a cabeça?
As primeiras tentativas para justificar tal coisa fundavam-se no racismo: seria devido à fusão promíscua de portugueses, índios e negros. No entanto, os imigrantes que acorreram de todo o mundo (e que recebemos da melhor maneira possível) vão até certo ponto, e param também. Esbarram em dificuldades incompreensíveis, abrem falência ou vendem as empresas. Apaixonam-se pelo país: registram seus relatos, ajudam como podem, acomodam-se ou vão embora. Um escreveu aqui a História da Literatura Universal, outro se ufanava do Brasil (coitado, suicidou-se), alguns foram obás de candomblé. Passaram.
Houve quem propusesse alguma coisa ligada à geografia, aos trópicos. Mas, aí, é covardia; temos os melhores climas, as melhores terras, grandes rios, reservas de minérios e água subterrânea. Ninguém duvida da excelência do nosso povo, às vezes triste, às vezes animado, quase sempre esperto, criativo e pronto até demais a confiar no que lhe dizem. Creio que o que acontece com o Brasil é, em parte, sua novidade.
O mundo não está pronto para aceitar um país em que as etnias e as crenças estão de tal maneira misturadas que o preconceito vai decerto magoar, ferir, doer em algum parente ou amigo próximo, onde formalidades como casamento e senhorio jamais deixaram de ser enfeites da elite, a nudez sem malícia é ancestral,,as transas divergentes disfarçam-se discretamente (não é da conta deles) e a violência, de tão sofrida, grande embora no varejo , rejeita-se no atacado e não se exporta.
O mundo prefere que as pessoas se odeiem declaradamente, que os pudores (embora não as mamas) sejam expostos fora dos armários e a violência aceita como imposição da natureza e inevitável razão de Estado. Sendo o homem inimigo do homem e a sociedade fiscalizando alcovas, acham, tudo estará bem – isto é, mal, como deve ser.
Outra razão é o tempo-espaço: o Brasil chegou para o banquete na hora da sobremesa, quando os comensais mais antigos já estavam aos tapas. Veio, grande e bobo, pela mão de um império que o domou e guarda as rédeas. E, por desgraça, fica perto do centro de todas as fúrias e defeitos da Europa redivivos nos Estados Unidos.
Por Nilson Lage, colaboração para o Tijolaço