Ao escrever sobre a universidade brasileira, é uma tarefa difícil sintetizar em poucos itens as bases de uma argumentação e tirar corolários sem tornar o texto arrogante. O assunto é extenso. É preciso aceitar a diversidade das demandas da sociedade, a diversidade das atividades acadêmicas e a evolução histórica das instituições. Isto visando uma análise construtiva de parâmetros para sugerir transformações.

1 – Demandas sociais

Somos um país de serviços e revendas. Não há demanda tecnológica em grande escala, quase nada se for tecnologia de ponta. Carregamos no DNA traços do colonizado, onde cultura e história são irrelevantes, o fenótipo dos importados é o padrão de beleza a ser buscada. Vivemos a dinâmica histórica de ter sido o Estado que criou a sociedade institucional e não as instituições que criaram o Estado. Sendo assim, nossa academia carece de uma dinâmica capaz de gerar tecnologia avançada em larga escala, gerar ciência básica de ponta, gerar ciências humanas e sociais. Isto considerando o tamanho da população e as riquezas naturais do país. A economia passa por um gargalo estreito formado pelas classes dominantes e que resulta em baixa escala. Gargalo este na ponta do investimento e na ponta da produção.

De acordo com os dados fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores neste link, o comércio exterior com a China (jan-nov 2014) tem as seguintes características:

“As exportações brasileiras para a China são compostas, em sua maior parte, por produtos básicos, que representaram 85,4% do total em janeiro- novembro de 2014, com destaque para soja e minério de ferro. Os semimanufaturados posicionaram-se em seguida com 11,0% e os manufaturados, com 3,6%. Dentre as importações, os produtos manufaturados somaram a quase totalidade da pauta em janeiro-novembro de 2014, com 98,0% das importações, representados por máquinas, produtos químicos orgânicos e automóveis. Os básicos posicionaram-se em seguida com 1,7% e os semimanufaturados com 0,2%.”

Quando mais de 30% da economia americana tem alguma relação com a Mecânica Quântica, pergunto no Brasil “quantos cursos de engenharia têm MQ no seu currículo?”.

Desta forma, nossos cursos têm um caráter enciclopédico na formação quando deveriam visar o conhecimento recente e as suas aplicações. Quando entrei na universidade em 1978 aprendi Cálculo Diferencial e Integral no primeiro semestre. Naquela época não havia computador desktop, apenas mainframes cujas capacidades de memória eram vergonhosamente pequenas para o alto custo das máquinas (na casa dos milhões de dólares). Hoje, temos laptops muito mais poderosos do que os mainframes da década de 70 e 80. No entanto, existem currículos que retardaram a introdução de conteúdos. Ou seja, melhorou enormemente a tecnologia e piorou a formação, esta equação não “fecha”!

Resultado, há baixíssima interação entre as ciências aplicadas e as ciências básicas. Os departamentos tornaram-se semelhantes a cartórios tanto no ensino quanto na pesquisa. Digo, departamentos das Universidades Federais, uma vez que entre as particulares são pouquíssimas que mereceriam ter o status de ensino superior; nem como ensino técnico se qualificam. Mas muitos destes itens questionáveis ou questionados não incomodam a sociedade ávida por um diploma superior, carente de parâmetros de conhecimento, sem tradição inovadora ou empreendedora. Como bem disse o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário, após o 7×1 para a Alemanha, o “pior é a comparação do número de prêmios Nobel, Alemanha 102 x 0 Brasil”.

2 – Atividades acadêmicas

As atividades acadêmicas fins são Ensino, Pesquisa e Extensão. Embora não seja dito, existe uma hierarquia cronológica dentre estas atividades, pois a Pesquisa gera o Conhecimento que deve ser Ensinado e cujas aplicações e implicações devem ser Estendidas à sociedade.

Esta hierarquia está na história das instituições acadêmicas, não é uma questão de supremacia ou domínio. A ênfase dada a cada uma dessas atividades depende da vocação de cada instituição, da sua história e da demanda regional existente. Um país com estratégias de longo prazo deve ter instituições de Pesquisa e de Ensino voltadas para a excelência nas diversas áreas do Conhecimento. A Extensão requer canais comunicantes competentes. Definir excelência é uma tarefa difícil, mas de maneira corriqueira digamos que tem excelência aquela que é uma excelente referência de conhecimento. Boas instituições de Pesquisa têm excelência no Ensino, a recíproca não é verdadeira. Isto porque ensinar o conhecimento clássico é muito mais fácil do que ensinar o conhecimento na fronteira do saber, o que abre novas áreas e resolve problemas que o clássico não é capaz. Para termos uma Pesquisa de ponta, alguns ingredientes se fazem necessários dentre muitos, com destaque para um corpo científico qualificado, dinâmico e com conhecimento abrangente e atualizadíssimo. Nossas universidades federais se caracterizam pelos trâmites burocráticos internos. Participar de comissões é infinitamente mais simples do que de grupos de pesquisa, embora consumam a energia e o tempo de forma análoga. As atividades de Ensino são, em sua maioria, cartoriais. Isto porque os currículos não têm a flexibilidade necessária, devido a motivos como, por exemplo, a falta de formação dos alunos, a desconfiança de que os professores não lecionem conteúdos, a carência de agilidade científica e os egos (muitos). Além disso, há ausência de hierarquia pelo mérito, este advindo do reconhecido da excelência, o qual não precisa ser em escala cosmológica tão pouco confundido com o conceito de “celebridade”. Em suma, o sistema acaba adorando atender editais e processos internos, tem espamos de prazer e medo maiores do que pisar na fronteira do desconhecido quando recebe diligências do Ministério Público e, por fim, referenda os parâmetros de pesquisa estabelecidos pelo CNPq.

Sem dúvida alguma a universidade federal brasileira tem evoluído, fundamentalmente na expansão de vagas, infra-estrutura e número de cursos. Certamente, nos quesitos que atendem os índices de visibilidade política. A sociedade brasileira é movida pela agenda política, jamais pela busca de solução para os problemas. Isto se reflete em todos os setores. Um dos péssimos legados dos tempos de ditadura é o pensamento de que tudo se resolve através de uma consulta a uma assembléia. Mas o pior mesmo é o legado dos tempos de colonizados, quando tudo era centralizado, como hoje, cabendo a poucos politicamente apaniguados as decisões mais diversas do dia a dia. A resultante destes processos é a burocracia e a desconfiança, jamais a auto-gestão e a responsabilidade de seus atos com seus ônus e seus bônus. Parece contraditório, mas ambos os sistemas coexistem por serem politicamente convenientes. Claro, uma parte do corpo docente torna-se burocrata, a outra torna-se pesquisadora e existe uma terceira ignorada pelos burocratas, exceto em períodos não eleitorais, que é desdenhada pelos pesquisadores. Esta terceira classe faz tudo, inclusive nada. Não há dúvida de que uma instituição requer trâmites burocráticos mas, como todo processo natural, deve haver um processo de otimização para minimizar a energia consumida. Mas este algoritmo tem forte componente cultural. No ensino, existem cargas horárias extensas que justificam o trabalho do professor pelo esforço físico e não pelo conteúdo. Atualizar um currículo é uma tarefa hercúlea do ponto de vista burocrático, às vezes quase impossível, porque existem legislações nacionais como no caso das licenciaturas. Também é uma queda de braço entre os sábios e suas áreas de pesquisa, tendo ou não excelência. Criar grupos de pesquisa dinâmicos é muito difícil. Administrar um departamento é dar pareceres, participar de diversas comissões, ser síndico de um prédio, jamais pensar na gestão dos recursos humanos e materiais disponíveis para que se ofereça boas condições de trabalho, uma boa formação e boa informação aos estudantes e à sociedade. Na atual conjuntura, os concursos públicos são abertos sem levar em conta um planejamento interno para curto e longo prazo. Mais importante do que atrair “cérebros” é abrir oportunidade para minorias através de cotas. No todo, o conhecimento não é medido pelos resultados científicos ou tecnológicos adquiridos e sim pelo número de publicações.

Isto é criticável, mas não é ruim, pois estabelece parâmetros para o desenvolvimento profissional que certamente alavancaram a produção científica nacional. Mas é longe de ser condição suficiente para ser “excelência”. Um erro crasso, no meu ver, surge quando o ensino e a pesquisa são tratados como duas atividades distantes, e a extensão desconsiderada como produto e sim como fonte de recursos. O ensino é regido pelos redemoinhos burocráticos internos da universidade e a pesquisa com a dinâmica individualista estabelecida pelo CNPq. Mesmo assim há evolução; ela é lenta e aquém dos investimentos que são feitos. Sem a autonomia prevista na Constituição e a sua devida regulamentação, as universidades federais nunca atingirão a maturidade.

Por Celso Doria