O isolamento numa época de pandemia nos leva a refletir sobre os caminhos da História:
— Qual o próximo passo?
A sociedade moderna construiu um sistema de valor onde o dinheiro tornou-se predominante. Estamos sob uma cultura onde a psiquê do relacionamento humano é dada pela palavra do Capital. Esse é o jogo. Sonhos, éticas e ideologias ficam fora do mundo se não reverenciarem o Senhor das trocas. O dinheiro tornou-se a substância vital do mundo. È a nova universalidade. Através dele, temos a presença de todas as coisas que o homem criou. A sua utilidade é maior do que as 1001 do Bombril.
Após um século de lutas históricas, terminamos por compreender que o sistema capitalista é o mais simples horizonte de esperança. Fora dele, caímos na escuridão dos desejos. Acontece que as pessoas andam sentindo horror aos comandos do capital. Simboliza um imenso faz-de-conta. As pessoas estão a temer que a sua vontade de levantar, trabalhar e produzir dependa de valores espúrios. O sentimento comum é que o capital está sob um jogo de espertos e poderosos, enquanto ao povo resta o papel de súditos a pagar a conta. O que dizer? A época está nos levando a discutir novamente sobre a origem da riqueza. É preciso reinterpretar a essência do capital.
O cidadão não aguenta mais os experts em economia. É preciso ir além. Talvez consultar uma ciência amadurecida como a fisíca. Então, a variedade de fenômenos da natureza fica descrita a partir das seguintes quatro forças: gravitacional, eletromagnética, forte e fraca. Seguindo essa referência da física, diríamos que a variedade de relações do universo econômico pode vir a ser sistematizada a partir dos seguintes quatro tipos de força de produção de capital: terra, mais-valia, financeira, conhecimento. Cada uma representa um tipo de atuação econômica da sociedade. Expliquemos. O modo de detectar a existência de uma forma de capitalismo deve ser atráves da natureza do lucro que produza. As discussões sobre capitalismo da terra antecedem aos irmãos Graco na Roma antiga; a revolução industrial, a 150 anos atrás, nos conduziu ao capitalismo de mais-valia, onde grande parte das horas de trabalho era destinada a ser lucro do patrão; o surgimento de grandes massas econômicas, neste século, propiciou o advento do capitalismo financeiro, onde o lucro não é mais determinado pelo parâmetro das horas de trabalho, mas por subjetivas regras de valor ao dinheiro. A História seguiu. O notável surto de conhecimento nestas últimas décadas está criando uma nova relação para o capital. A lei de Pitágoras atravessou séculos sem conseguir nenhuma taxação econômica. Algo mudou. O conhecimento não é mais um bem da humanidade, mas um elemento do capital. A Microsoft lança o “Windows”, vende e reinventa no ano seguinte um novo “Windows”: nada nos resta além de concluir que conhecimento gera capital!
— Cultivar capital através do conhecimento?
Após o day affter da queda do muro de Berlim, temos que sair de vaticínios do tipo “ a História acabou”, de Francis Fukuyama. Embora ainda de madrugada, podemos já encontrar os primeiros raios a conduzir essa nova forma de capital. Um novo tipo de diálogo ilumina esse Mundo 21. Embora o capital continue na posição de gestor, ele foi obrigado a abandonar o trono de isolamento que o capitalismo financeiro propicia e a sair para conversar com as coisas do mundo, através da graça do conhecimento. Uma nova fonte dialética surge. A debatida Capital-Trabalho é finalmente substituída pelo advento do Trabalho-Capital-Conhecimento. São tempos de renascer. Momento de preparação de uma nação para participar deste novo diálogo. Oportunidade para sairmos dos refrões de acreditar em que tudo é uma formulação ditada pelos países ricos do G7 e fiscalizada pelo FMI e Banco Mundial. Ondas de palavras e paragráfos começarão a se movimentar numa nova direção de destino. Sem promover conhecimento, o rio do capital fica poluído e o das palavras somente retórico.
— Como decidir riqueza a partir do conhecimento?
Uma luta entre o capitalismo do conhecimento e o financeiro começa a se travar. Comparativamente, o custo do dinheiro no Brasil é um dos mais altos no mundo; entretanto, a nível internacional, estamos sob uma vitória da valorização da tecnologia-pensamento. Essa vitória deu-se através de empresas do hemisfério norte que conseguiram desviar o curso do fluxo de capital do sistema bancário. Esse novo destino, entrelaçado com o saber, representa o grande salto qualitativo dos anos 90. Algo muito mais fundamental do que a propalada falência do comunismo. A expressão dessa supremacia pode ser vista através de uma nova forma de colonização dos países do Terceiro Mundo. Ao invés de explorá-los através de jogos financeiros (44% do PIB do Brasil vai para pagamento de juros), a nova cartilha é transformá-los em consumidores de produtos da matriz. Uma nova ordem surge. O Terceiro Mundo aceitar os imaginários do Primeiro Mundo.
Mudou o mundo. Não podemos ficar aprisionados a discussões do tipo neo-liberalismo-chegou. A banda passando e Carolina não vê…! Estamos num alvorecer do capitalismo do conhecimento. Compreender e realizar esse mecanismo, onde conhecimento gera capital, que expande o conhecimento e produz lucro, representa a reflexão fundamental do atual momento histórico. Nações, empresas e pessoas começam a ser direcionadas por esse novo modelo econômico. É a nova dinâmica da História. Acontece que, enquanto alguns conseguirão participar, outros não. O Sol sempre foi para todos, mas nem todos serão capazes de construir essa ponte entre capital e conhecimento. Durante a dialética do capital-trabalho, os vencidos tiveram que oferecer os seus braços para trabalhar, agora terão que oferecer o bolso para custear o imaginário dos outros!
A Indústria de softwares representa a mais notável emergência desta nova época de capitalismo de conhecimento. Uma nova necessidade de produtividade e eficiência é propiciada pela informática. Google, Apple, Amazon, Facebook e Microsoft detiveram em 2019, 20% da riqueza acumulada pelas maiores 500 empresas americanas. O cultivo da folha em branco se tornou a maior fonte de riqueza.
Desde os tempos medievais, não surgia uma área do conhecimento que tanto reunisse as outras. A Informática tornou-se a “ nova teologia” dos tempos modernos. Engenharia, Medicina, Matemática etc. Começam a ser organizadas a partir das possibilidades da Informática. Originada da areia e do pensamento, consegue estabelecer uma linha de produtos em constante mutação. A Informática estabelece a ponte mais natural entre conhecimento e capital e, assim, torna-se “teologia” deste Capitalismo do Conhecimento. Avoluma-se a cada dia o número de empresas a participar dos negócios oriundos da folha em branco. As equações não estão mais isoladas, o seu determinismo inclui o do capital.
O Projeto Brasil está sob o desafio desta nova construção histórica. O horizonte da História está a instigar o “Brasil e a sua fraqueza de ser”. Temos que encontrar nossa comunicação rumo ao novo milênio. Muitos são e serão os tópicos a serem analisados sob a ótica do Capitalismo do Conhecimento. O Brasil não pode se olvidar. Existe uma História a enfrentar.
Cabe à atual geração de brasileiros questionar de que lado colocamos o nosso país e as empresas que constroem o seu mercado. Embora a mídia mostre que 30% da capa de jornais têm como pauta eventos de tecnologia, cadernos de informática e popularização do conceito de propriedade intelectual – ainda são fatos estáticos. Estamos à espera de um discurso sobre tecnologia-conhecimento que emocione a alma. Espera-se que despontem atores como a classe intelectual e a de empresários. Diferentemente dos idos de 64, a classe intelectual não poderá mais discutir reforma agrária, mas a utopia de acreditar no cultivo de símbolos sobre uma folha em branco; a empresária, a de fazer dinheiro produzindo conhecimento. Caso contrário, esse Capitalismo do Conhecimento será apenas uma propriedade de uma elite internacional capaz!
— Qual a receita do dinheiro?
A globalização, o maior fenômeno político de nossa época, conduz à primeira grande efervescência dessa nova mensagem do capital. O percurso da História tem sido uma constante formação de conquistas e submissões. O mundo sem fronteiras nada mais é do que a captura de imaginários. Aqueles que conseguirem participar da dinâmica capital-conhecimento conquistarão o solo e o trabalho dos outros. E ao imaginário vencedor caberá o direito de controlar o preço. Conseqüentemente, o posicionamento de um país sobre o advento desse Capitalismo do Conhecimento é a promoção da integração educação- inovação-economia.
Um novo conceito político irá erguer-se daqueles que tiverem suficientes músculos psíquicos para suportar a abertura desse caminho trabalho-conhecimento-capital. Precisamos construir essa História. A de fazer o Brasil participar da Era do Conhecimento.
Por Melk