Belluzzo: o Brasil vendeu a indústria e acabou arruinado

Nos anos 80, a economia brasileira foi submetida à regressão industrial e econômica deflagrada pela crise da dívida externa e suas consequências: escassez de divisas, enormes déficits fiscais, alta inflação com indexação generalizada e crise monetária.

A chamada “década perdida” foi marcada por forte restrição externa. Isso suscitou a queda pronunciada da relação entre as importações e o PIB, que chegou à incrível cifra de 3%. Trata-se de um fechamento “forçado” da economia. Nesse ambiente de caos econômico, o Brasil deixou de incorporar os novos setores e, portanto, as novas tecnologias da chamada Terceira Revolução Industrial.

A estabilização do nível geral de preços levada a cabo em meados dos anos 1990 livrou a economia brasileira da hiperinflação, mas não teve forças para eliminar a herança dos malfadados anos 1980. As condições em que foi realizada a estabilização custou ao Brasil uma combinação perversa entre câmbio valorizado e juros estratosféricos, com graves prejuízos para o crescimento e a diversificação da indústria.

O “afastamento” das transformações manufatureiras globais nos legou insuficiências em vários setores: infraestrutura de telecomunicações móveis, PCs, computadores portáteis, tevês de plasma e LCD, câmeras digitais, componentes eletrônicos, para não falar da robótica, dos novos materiais e da nanotecnologia.

O Brasil encerrou os anos 90 com uma regressão da estrutura industrial, ou seja, não acompanhou o avanço e a diferenciação setorial da indústria manufatureira global e, ademais, perdeu competitividade e elos nas cadeias que conservou. Nos anos 2000, bafejado pelas energias da expansão sino-americana, o país foi abalroado não só pela demanda chinesa de commodities, mas também pelo crescimento elástico do comércio global de manufaturas.

No auge da bolha de crédito, nossa indústria “pegou uma beirada” na festança global. A balança comercial brasileira ilustra os altos e baixos da indústria de transformação: em 2006, nas culminâncias do crescimento sino-americano, o saldo do setor era positivo em US$ 29,8 bilhões. Em 2011, cinco anos depois, o resultado foi negativo em US$ 48,7 bilhões. Já em 2014, o déficit da indústria de transformação subiria a US$ 63 bilhões.

No plano dito “microeconômico”, a organização empresarial brasileira distanciou-se das novas formações empresariais que surgem no âmbito da formação das cadeias produtivas globais. A reconfiguração do espaço global foi acolhida com eficientes respostas estratégicas nas economias asiáticas, sob a égide de agressivas políticas industriais e de exportação de manufaturados. No fim dos anos 1970, a produção e a exportação de manufaturados brasileiros eram próximas ou superiores às de seus concorrentes asiáticos. Hoje, esses países têm posições que são um múltiplo da produção e exportação brasileiras de manufaturados.

A escalada industrial da China tornou nossa situação no setor ainda mais desvantajosa. A estratégia chinesa apoiou-se numa agressiva exportação de manufaturados, com seu ápice na segunda metade dos anos 2000.

Isso, combinado à mudança favorável nos termos de troca, acentuou as tendências que afligiram a economia industrial brasileira nos últimos 30 anos: valorização cambial, “reprimarização” da pauta de exportação, bloqueios à diversificação da estrutura industrial, permanência de uma organização empresarial defensiva e frágil.

A fragilização industrial ocorre em um momento de intenso movimento de fusões e aquisições em todos os níveis das cadeias produtivas globais. Sendo assim, a política industrial não pode reproduzir as orientações do período dito nacional desenvolvimentista e, muito menos, promover uma abertura comercial sem uma política industrial e financeira ajustada aos tempos de hoje.

A literatura relevante sobre processos de industrialização ou de (re)industrialização assinala a importância da ação do Estado na promoção das formas de financiamento, na educação, na criação de sistemas de inovação e nas políticas comerciais, leia-se, na abertura de oportunidades a serem capturadas pelas iniciativas do setor privado. Não é preciso lembrar ao leitor que essa foi a experiência de Alemanha, Japão, Coreia, China e Estados Unidos.

A manutenção do câmbio real competitivo é condição necessária, porém, não suficiente para a constituição da nova política, mas deve ser complementada por um conjunto de ações governamentais executadas simultaneamente.

A escolha das cadeias prioritárias é de suma importância. É reconhecido o potencial de inovação e da disposição para suportar riscos de alguns segmentos da vida empresarial brasileira. Falamos do agronegócio, da indústria de base e das sinergias que podem nascer das parcerias público-privadas nas áreas de infraestrutura. Essas políticas possuem características que permitem a concertação de ações voltadas para a qualificação das cadeias industriais.

O Brasil da desindustrialização reproduz a trajetória de Père Goriot, o personagem de Balzac que vendeu a fábrica de massas para enriquecer com a dívida pública. Morreu arruinado em uma pensão, depois de ser depenado pelas filhas, seduzidas pela alta sociedade parisiense.