A abordagem quântica aos fenômenos atômicos e subatômicos desenvolveu-se, através de vários experimentos e grandes debates teóricos, a partir de 1900. Entre 1925 e 1927, uma nova teoria, a Mecânica Quântica, se estabelece. A qualificação de quântico se refere a fenômenos que acontecem na escala atômica ou em um domínio ainda mais elementar do que o próprio átomo. Entre 1928 e 1931, Paul Dirac, físico inglês, propõe um estudo bastante detalhado do elétron e do próton, as duas únicas partículas de matéria conhecidas à época. Através da célebre equação que formula, Dirac prevê, em bases eminentemente teóricas, a existência de uma nova forma de matéria, a anti-matéria, e estabelece o conceito de vácuo quântico, um vácuo não-vazio, carregado de energia e que confere propriedades físicas às partículas da Natureza. Duas antecipações muito à frente das teorias físicas que vigoravam até então. Com a descoberta do pósitron (a anti-matéria do elétron) em 1931, a proposta da Equação de Dirac para descrever o elétron e o próton se consolida e o conceito de vácuo quântico fica estabelecido. Desde então, vem sendo investigada a influência do vácuo quântico sobre a luz e outras frequências de radiação emitida pelas estrelas.
Com o contexto em que aparece o vácuo quântico apresentado, é importante compreender a relação entre este vácuo – oriundo de uma física de objetos elementares, como o elétron – e a teoria cosmológica, fundada por Albert Einstein em 1917, no clássico trabalho em que introduz o conceito de constante cosmológica, uma forma de energia intrínseca ao espaço.
Teria esta forma de energia que permeia o Universo – a constante cosmológica de Einstein – alguma relação com o vácuo quântico, que não é mais o vazio absoluto e que, portanto, concentra energia? Este é um momento singular no universo das teorias físicas: como o extremamente pequeno se conecta ao gigantesco Cosmo, fechando um círculo em que o imenso e o ínfimo se confundem. Esta concepção de que a energia do vácuo quântico possa ser a fonte da constante cosmológica não veio de imediato. Foi apenas em 1967 que o físico russo Yakov Zel’dovich propõe a conexão entre a constante cosmológica e o mundo das partículas ditas elementares, como o elétron. Ainda na ex-União Soviética, em 1971, são realizados experimentos, na escala atômica, que evidenciam a sensibilidade do vácuo quântico à força de gravidade, ou seja: o vácuo se comporta como um sistema que pesa.
Isto é bem interessante: a força gravitacional é capaz de atuar no vazio, no vazio quântico. Este resultado reforça a ideia de Zel’dovich de relacionar efeitos quânticos da matéria à gravidade, esta representada pela constante cosmológica. Os resultados de 2015 do Observatório Espacial Planck, hoje desativado, nos fornecem a medida mais recente para a constante cosmológica.
O resultado é expresso através de um valor, 10-11 J/m 3 . Em forma prosaica, a leitura deste resultado é que cada metro cúbico de constante cosmológica acumula uma massa de um trilionésimo do trilionésimo do kilograma. Um valor pequeníssimo, quase desprezível, se considerarmos uma caixa de um metro cúbico. Mas, se pensarmos no Universo como um todo, a massa do vazio dado pela constante cosmológica chega ao incrível valor da massa de um bilhão de bilhões de estrelas como o Sol colocadas juntas. E o grande desafio da constante cosmológica está posto. Em que sentido?
Com o nosso conhecimento atual das teorias quânticas para as forças fundamentais da Natureza, o valor estimado para a energia do vácuo quântico ultrapassa enormemente o recente valor medido pelo Planck da energia associada à constante cosmológica. Estamos, então, diante de um super-desafio da Física de nossos dias: o chamado Problema da Constante Cosmológica, que reflete aquela que pode ser considerada a maior discrepância na Física entre um cálculo teórico (a energia do vácuo quântico) e uma medida experimental (a constante cosmológica). A compreensão do vazio é quase um vazio da Física atual.
José Abdalla Helayël-Neto COSMO Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.