Físico exonerado pelo governo Bolsonaro ressalta que o mais importante, neste momento, é denunciar os desmontesNão é mais exagero dizer que o governo Bolsonaro é uma “nuvem negra” sobre o Brasil. No meio da tarde desta segunda-feira (19) uma escuridão incomum tomou o céu de boa parte das cidades do Sudeste e não foi só por conta do mau tempo. Segundo meteorologistas, trata-se de uma nuvem de fumaça decorrente do aumento das queimadas na região Norte, que cresceram 70% este ano. No Twitter, às 16 horas, a escuridão era o assunto mais comentado, seguido de frases irônicas que comparavam o cenário a um filme apocalíptico onde a população sofre com retirada de direitos, violência contra professores, cortes na Educação, na Previdência, e aumento nos índices de desemprego. Seria cômico, mas…
Há poucos dias o presidente afirmou que os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) eram mentirosos porque, segundo ele, não há tanto desmatamento na região amazônica quanto apontam os estudos. Ao contestar Bolsonaro, o diretor do órgão, Ricardo Galvão, foi exonerado. A nuvem de fumaça que se deslocou Brasil abaixo nesta segunda-feira e deve seguir para o Sul e Centro-Oeste nos próximos dias é a forma mais didática de demonstrar quem está com a razão nesta história. De acordo com o INPE, o país registrou 66,9 mil pontos de queimada no último período, é o maior índice desde 2013.
Após uma série de embates públicos com Bolsonaro e com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, Galvão foi exonerado do INPE no começo de agosto. Desde então, o doutor em Física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT – pela sigla em inglês) e professor do Instituto de Física da USP tem sido alvo de holofotes porque segue defendendo que a ciência virou alvo de perseguição do governo e isso pode causar danos irreparáveis para o país.
Na última sexta-feira (16), o físico ministrou uma palestra na USP, onde lotou o auditório de cientistas, estudantes e autoridades políticas. Em conversa com a Carta Maior, garantiu que o mais importante neste momento é denunciar os desmontes. “Nós cientistas não podemos ficar calados, temos que responder com firmeza, e mostrando que nós fazemos o bem para a sociedade. Eu espero que a ciência brasileira não se preocupe com o cerceamento que possa haver porque nós vamos lutar”, disse. Para Galvão, está muito claro que há “um movimento obscurantista anti-ciência ganhando força em todo o mundo”. Ele não hesitou em afirmar que, diante de um cenário como este, quem perde é a humanidade como um todo.
Galvão aproveitou o evento para destacar alguns dos grandes projetos em que o Brasil está envolvido por conta da seriedade do instituto, entre eles, o desenvolvimento de um satélite com a Nasa, além de mais de 30 anos de cooperação na área científica com a China. Confirmou ainda que em 2020 será lançado o satélite Amazônia I, todo projetado e produzido pelo INPE. “Ao mexer com o INPE, Bolsonaro realmente não sabia com quem estava mexendo”.
Os dados criticados por Bolsonaro são o resultado do trabalho do sistema Prodes, criado há 30 anos para checar o desmatamento da Amazônia. Segundo o ex-diretor, é comum que governos questionem estes números, o ex-presidente Lula chegou a afirmar que se tratavam de um “alarde”. Mas em seguida voltou atrás, após dar ouvidos para o então diretor do Instituto e confirmar a seriedade dos cientistas envolvidos no projeto. O atual governo, porém, além de não aceitar ser contestado, contratou – sem licitação – uma empresa estrangeira para fazer um levantamento paralelo sobre mesma região.
Os constantes ataques de Bolsonaro às políticas ambientais têm levado determinadas regiões do país a sofrer consequências graves. Recentemente, fazendeiros incitados pelas declarações intransigentes do presidente, promoveram o “dia do fogo”. As queimadas se espalharam ao longo de toda a BR-16, no sudoeste do Pará.
Se seguir neste ritmo, podemos chegar a um colapso em pouco tempo. Segundo Galvão, o Brasil está no limite de seu desmatamento e, se continuar, pode matar para sempre sua floresta. “Desde 1500 nós desmatamos cerca de 20% da Amazônia. Muitos estudos comprovam que se houver 25% de desmatamento, será irrecuperável”.
De volta às trevas
Depois de detalhar o trabalho do Instituto, o cientista lembrou dos retrocessos causados à ciência brasileira pela ditadura militar, período em que importantes cientistas foram perseguidos e, com o exílio, deixaram de produzir material científico qualificado para as universidades brasileiras.
Ao recordar os estragos causados pela ditadura, disse estar muito preocupado com o fato de ministros de Estado do atual governo estigmatizarem a universidade – espaço do livre pensar – como um ambiente “dominado pela esquerda”. “Isso é uma acusação vazia e muito séria”, afirmou.
Garantiu, porém, que desta vez “a comunidade acadêmica e científica e o povo não se calarão”, diante dos ataques à Educação. “Quando se trata de questões científicas, não existe autoridade acima da autonomia da soberania da ciência”
Por Mariana Serafini