Deve existir um teorema na sociologia em que 1 milhão de pessoas nas ruas seja sinal de revolução. As revoluções acontecem através de multidões. Multidões que por algum motivo histórico saem às ruas. Assim sucedeu a revolução francesa, americana, russa. Com o povo derrubando as barricadas políticas do sistema de sua época.
Após 500 anos de História todos desejam saber qual destino o Brasil irá tomar. As cartomantes e os místicos dizem que o Brasil está predestinado a ser o local do próximo passo evolutivo da Humanidade. A sexta raça. Consideram que o período atual representa o final da 5ª raça. O incrível para quem está vivendo o nosso tempo é que o Brasil não apresenta luz nenhuma. Se tornou um país atrasado e obscurantista.
Aos filósofos a revolução se caracteriza pela chegada de um grande argumento, a queda de um paradigma. Tem suas razões. Acontece que nem os filósofos nem os marinheiros sabem apontar aonde estará esse novo momento. Alguns poucos vivem as revoluções quando estão acontecendo, enquanto a maioria depois. E antes? O que fazer para descortinar num novo horizonte histórico?
Seguindo os místicos e as cartomantes, há um período pré-revolucionário sendo vivido atualmente no Brasil. Certamente nada acontecendo a nível tecnológico, científico, econômico, social. Ao contrário, vivemos o país das desigualdades e do atraso. É um país submisso que não tem altura para negar o sistema. Entretanto, ainda acreditando nas cartomantes, há uma contradição. São quatro dias ao ano.
Os mistérios da alma humana são surpreendentes. De repente, num país que se nega a sua independência, incapaz de se inserir na Era do Conhecimento, com uma economia baseada em serviços e revendas – a alma humana resolve gritar. É carnaval. Aporta uma insurreição para mobilizar a História através de um baile de fantasias.
No júbilo dos pierrôs e colombinas chega o carnaval. Respondendo aos tambores da bateria as multidões louvam um desconhecido Novo Brasil. A sua explosão de música e dança provoca uma euforia que se apodera da razão e propaga a emoção. De repente surge um povo nas ruas dando lições de irreverência e liberdade, bradando:
– Eu quero brincar!
Marx talvez saia de seu túmulo ao se dizer que a revolução brasileira é baseada no verbo brincar. Mas, incrivelmente, é assim que passam blocos levando 1 milhão de pessoas. Uma mobilização social está acontecendo e ninguém consegue interpretar. A dos revolucionários da alegria a deixar os sociólogos de cabelo em pé. Que loucura é essa? – os historiadores ficam se perguntando.
As verdadeiras revoluções acontecem pela porta do incrível. Desta vez, não são marinheiros e operários, os carnavalescos é que estão chegando. No entanto, talvez seja ir longe demais identificar um bloco de carnaval como revolucionário. Os campos de futebol também reúnem multidões, mas, não se propõe a transformações. Contudo, quando uma massa se movimenta, algo estará a acontecer.
O carnaval representa o espaço psicológico brasileiro. A sua imaginação reprimida. Quatro dias de fantasias e emoções a mostrar ao sistema vigente que nem tudo se resume a trabalho e dinheiro. Vivemos sob um mistério e as pessoas precisam sair de seu quarto. O Brasileirinho não constrói pirâmides, mas Escolas de Samba. Nelas encontra seu modo de escoar sua narrativa libertária.
Uma das missões do carnaval e recuperar a história perdida. As visões que foram excluídas da história oficial. Outra é fantasiar a história de alguma coisa que está a acontecer. Sem as duas, o carnaval não deveria acontecer. São elas que alimentam seu ritmo e contestação.
Precisamos sair às ruas. Ver com nossos olhos o que acontece. É carnaval. Um encontro acontece. Sem necessitar das tecnologias as suas chamadas são feitas por cornetas e confetes movidos pela energia da alegria. Um E=mc2 que Einstein não conheceu. Aquele a transformar carne em verbo.
O Clube dos Anjos já havia alertado que o homem deveria buscar a relação entre o Universo e Mundo através de verbos. Há uma energia psicológica a ser desvendada pelo homem. A sua função não é criar elétrons, mas palavras. Dar um Caminho da Mente aos acontecimentos. E assim, parece que a missão do Brasileirinho é a de encontrar seu portal ao Mundo através do verbo brincar.
O carnaval é a festa da paródia. Mostrar ao ritmo da música o nonsense que rodeia a sociedade. Os seus bordões necessitam serem incisivos, inclementes com o sistema. Brincar o país com a música ‘A felicidade’ de Tom e Vinícius (1959): ‘Por um momento de sonho/ Pra fazer a fantasia/ De rei ou pirata ou jardineira/ Pra tudo acabar na quarta-feira’.
Nesta reza os blocos carregam o verbo brincar pelas avenidas. Nas suas letras, enredos, fantasias. Esse é o carnaval. A hora de protestar cantando e dançando contra o que quiser. Da alegria, inserir o protesto em alegorias e bordões. Talvez os místicos tenham razão. Há algo a acontecer no Brasil.
Por MELK