Em sua coluna de domingo, no Jornal do Brasil, Teresa Cruvinel trata de um tema que é, ao mesmo tempo, evidente e pouco discutido: a apropriação do mando político pela casta policial-judicial:

No Brasil da Lava Jato (…) quem manda e tudo controla é o estamento formado pelas carreiras de Estado da área jurídico-policial: Ministério Público, Polícia Federal, STF e tribunais superiores. Na falta de uma classe dominante ciosa de seu papel e responsabilidades, estas carreiras se impuseram. (…) O centro da política, ninguém há de negar, deslocou-se completamente do Congresso e dos partidos para o Supremo Tribunal Federal, que sobre tudo decide: tabela de frete de caminhoneiros, prisão em segunda instância ou descriminalização do aborto.

(…)eles saíram da caixinha porque a classe dominante não se comporta como tal. Não se sente vinculada ao país, que lhe serve apenas como fonte de lucros, não gosta do povo, tem segunda moradia em Miami ou Paris e não tem projeto algum para o Brasil. Neste vácuo, e com os políticos em desgraça, as carreiras de Estado se estabeleceram.

Penso que é, de fato, assim. Mas vai além, e por razões que estão mencionadas no texto.

O fato de nossa classe dominante “não ter projeto algum para o Brasil”, o que a deslegitimou perante a população, não apenas abriu espaço para a hipertrofia da máquina judicial, por ambição, falta de senso democrático e até de compostura de seus integrantes.

Este processo não ocorreria se esta camada, sem condições de ter uma representação política viável, não tivesse ido buscar na Justiça e seus arrabaldes, a legitimidade e a autoridade que perdeu (e ainda vem perdendo), transformando-a em agente político com grau de eficácia que já não alcança naqueles que lhes seriam os “convencionais”.

O protagonismo judicial corresponde, portanto, a uma substituição de quadros que a elite dominante não conseguiu produzir, em sua miséria cultural, ética e, sobretudo, de projetos nacionais, ainda que vinculados e dependentes da ordem mundial vigente.

E, como detém poder estatal – e poder absolutista -, pôde levar à prática um plano de reconquista do poder político da elite que vem sendo negado pelas urnas há década e meia, retirando de Lula, ou de quem o represente, a capacidade de vencer nas urnas, formalismo que não se dispensa em ritos ditos democráticos, ainda que nada possa ser tão antidemocrático quanto vedar candidaturas.

Ao contrário dos partidos e políticos, cujas opiniões e atos precisam legitimar-se, os do Partido Judicial têm autoeficácia e são autorrespeitáveis: “é aquilo que eu decido, cumpra-se”. Qualquer revisão, se houver, é interna corporis, não é passível de contestação e se autoexplica, por uma estranha lógica reversa.

Por exemplo:” Lula está preso porque foi condenado, se está condenado é porque cometeu os crimes de que o acusaram, se não há provas de que os cometeu, deve ter cometido, porque sabe como são estes políticos, não é?”

Não é o caso de tratar aqui, agora, das ilusões petistas quanto ao Judiciário, à Polícia Federal, ao Ministério Público, quanto às “instituições republicanas” em que não soube ver a natureza de classe, que vai além da de casta.

Esta já se tornou evidente à população, muito mais que aquela outra.

O que obriga o povo brasileiro a um esforço muito maior de consciência, porque já não se trata apenas de confrontar os reis, mas as cortes inteiras, que assumiram a regência do Brasil e não querem e não podem permitir que elevem ao “trono eleitoral” alguém que represente a população.

Por Fernando Brito – Tijolaço