Concebida e aprovada de forma apressada, a Reforma do Ensino Médio transformada na Lei 13.415 de fevereiro de 2017 já nasceu doente. Não foi realizado um diagnóstico das reais deficiências desse nível de ensino nem foram consultados os professores, estudantes e famílias sobre as possíveis perspectivas para o processo de ensino-aprendizagens dos jovens que com grande frequência ingressam mas não concluem o ensino médio. Em 2015, 40% dos jovens de 17 anos estavam fora da escola, o que ocorria com 34% dos jovens da mesma idade em 2000 conforme a PNAD.
A pressa da reforma não é somente a expressão da falta de fundamentos da Lei que se criou, mas também a imposição de um modelo que tem como pilar o barateamento e a privatização da oferta do Ensino Médio no país.
Por trás do discurso difundido em campanhas de rádio e televisão de que o novo Ensino Médio permitiria ao jovem fazer escolhas dentre uma ampla oferta de disciplinas e áreas de conhecimento nas escolas, esconde-se o fato de que as redes e escolas podem simplesmente fazer o inverso, ou seja, oferecer as disciplinas obrigatórias e somente ofertar a mais aquilo que for possível conforme as suas possibilidades. Para que não fique dúvida, o artigo 36 da Lei informa que “deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino”.
Considerando os escassos recursos da educação dos estados e a cada vez maior redução de investimentos do governo federal com a educação, não é difícil imaginar que as secretarias de educação, ao invés de oferecer mais para os alunos devam tender a oferecer menos, ou seja, limitar a oferta ao que é obrigatório para a BNCC (600 horas) e a menor diversidade possível para a parte diversificada do currículo.
Mas a apressada reforma não para aí, pois a Lei aprovada em 2017 abre duas outras brechas para as secretarias de estado responsáveis pela educação de nível médio: realizar curso integralmente à distância para formação técnica com instituições privadas conveniadas e permitir ainda que a iniciativa privada seja executora da parte diversificada do currículo. Considerando as dificuldades para avançar no IDEB em praticamente todo o País e a insatisfação da própria sociedade com as escolas e o nível de ensino, coloca-se a possibilidade dos estados se desresponsabilizarem de parte do currículo, reduzindo o ônus político dos maus resultados ao transferirem a oferta para o ensino privado, que pode oferecer cursos de educação profissional, uma das áreas contempladas pela reforma. Além disso, a possibilidade de ser realizado à distância cria mais uma alternativa de baixo custo para fazer cumprir a obrigação constitucional de suprir as vagas de Ensino Médio para todos os jovens.
Neste contexto, evidencia-se que a pressa de realizar a reforma sem consultar a sociedade, revela a sua intenção real, que vai no caminho inverso do que as propagandas indicam: permitir novos formatos a mais baixo custo reduzindo a responsabilidade dos governos estaduais sobre o Ensino Médio.
Destaca-se ainda que esta possível precarização do ensino de nível médio certamente não se aplicará a todos os estudantes, mas àquela parcela que frequenta as escolas públicas, especialmente nas regiões e estados mais pobres do País, cujos recursos são ainda mais escassos. Os jovens de classe média das escolas privadas continuarão a estudar em escolas com foco no vestibular, enquanto jovens das escolas públicas terão ainda mais dificuldade de acessar à universidade com seus currículos empobrecidos, sendo-lhes oferecida a formação técnica como alternativa.
Entretanto, as críticas aqui formuladas às reformas não pretendem indicar que devemos manter o Ensino Médio tal qual está, pois existem problemas com relação à qualidade e uma constatada insatisfação dos jovens com este modelo já verificada por vários estudos e manifestada pelos próprios jovens que se mobilizaram por mudanças na etapa entre 2015 e 2016. O fato, é que um novo governo precisa ouvir estes jovens e ser capaz de atender aos seus projetos de vida, além de criar meios efetivos para que os novos currículos atendam às expectativas e demandas dos tempos em que estes vivem. Precisa também ampliar os recursos para o Ensino Médio, investindo na formação de professores e na criação de uma real diversificação da oferta garantindo o ensino presencial e a responsabilidade do Estado pela oferta deste do ensino médio para todos os jovens e estudantes.
Roberto Catelli Jr. é doutor pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador executivo da Ação Educativa. Tem experiência principalmente nos seguintes temas: Educação de Jovens e Adultos, políticas públicas de educação, avaliação educacional e ensino de História.
Redação Carta Capital