Fábula: Os Irmãos Sabiás
Certa vez, estava a caminho de seu ninho um pequeno e filósofo sabiá para pôr os dois únicos ovos de sua vida. A penugem da passarinha era tão bela que cegaria qualquer transeunte que a olhasse, de tal maneira a alienar o pobre humano de toda sabedoria que poderia captar do pequeno sabiá.
Dos ovos, nasceram dois pequenos e filósofos sabiás que cresceram envoltos por sabedoria e harmonia. Disseram-me que eles voavam muito sublimemente e que também possuíam conhecimento do mundo à sua volta.
O tempo passou rapidamente e os irmãos estavam cada vez mais próximos da fase senil. Eles já não cantavam tão alto e nem voavam tão belamente. Os conhecimentos adquiridos durante a vida não poderiam acabar junto com seu último voo. Eles decidiram, então, passá-los para a nova geração de sabiás.
O primeiro irmão sabiá ensinou seus descendentes a questionar acima de tudo – “ O que há lá em cima?”, “O que é voar?”, “ O que são as estrelas?”.
Já o segundo irmão ensinou aos seus descendentes toda a teoria das leis de voo, por exemplo, quantos graus a asa deveria ter, a velocidade exata dependendo do tipo de movimento (retilíneo uniforme ou uniformemente variado), etc. Os pássaros aprendiam a voar memorizando as leis de voo – com quantos graus a asa deveria alcançar para ter um movimento retilíneo uniforme?
A prole do primeiro irmão estava cada vez mais curiosa: “O que são os astros?”, “Por que não caem?”, “ O que há em cima do planeta?”. E logo armaram suas asas e voaram.
Já a prole do segundo irmão continuou no ninho, onde permaneceu o resto de sua vida, memorizando cada vez mais leis e nomes dos quais na verdade, não sabia nada, afinal era um conhecimento passageiro, logo apareceriam outras leis e outros nomes para memorizar.
Moral da história: As pessoas voam tão longe quanto suas perguntas.
O Ensino de física
Os alunos se encontram num ninho… O aprendizado de ciências nas escolas não é nada mais, nada menos do que uma âncora, nunca inspirando os alunos a fazerem suas próprias perguntas, não há nem sequer um mínimo sentimento de deslumbramento.
A sala de aula é um ambiente no qual se estuda muito, porém há pouco tempo para reflexão. Tudo é aceito e nada é questionado. Com relação à fábula dos sábias, podemos fazer uma analogia na qual as pessoas voam tão longe quanto as suas perguntas e que o conhecimento é alcançado de maneira mais excepcional quando questionamos.
Essa falta de estímulo ao questionamento prejudica diretamente o ensino de física porque perguntas foram à questão principal para a criação desta ciência. Perguntas estas que não estão presentes no ambiente em que se ensina a ciência. É como se entregassem os “10 mandamentos” da física para aceitarmos sem questionar, sem entender como foi formulado e como podemos aplicar.
Defino a física como a arte de pensar o universo e formular linguagens que descrevam a natureza. Entretanto, o estudo dessa ciência é tão maçante nas escolas que até as leis mais criativas tornam-se pouco interessantes e limitadas à memorização automática de fórmulas.
Além disso, a única finalidade de aprendermos determinado assunto é resolvermos uma lista de exercícios e depois uma prova. Não que os exercícios não sejam importantes, o problema é que se tornam o crucial no aprendizado. O professor José Abdallah Helayël Neto, pesquisador do CBPF, uma vez disse: “O aprendizado é muito maior do apenas ler a teoria, resolver uma questão fácil, uma média e uma difícil”. Complementando, o aprendizado é sobre investigar, entender o universo, não sobre resolver questões mecânicas sem entender o porquê.
Como fazer os jovens gostarem de física?
Entrevistei alguns professores de ciências exatas do Colégio Pedro II- Campus Realengo II. Perguntei sobre como reverter esse sistema de ensino com o qual muitos não concordam. Eles apontaram que devem seguir um programa e a ementa de disciplina definida pelo Ministério da Educação e que, portanto, seria difícil inovar o espaço de sala de aula.
A sala de aula deveria ter uma dinâmica de perguntas e poderia funcionar assim: Todos os alunos escreveriam perguntas interessantes sobre o tema estudado e depois haveria debates sobre isso. Os professores poderiam ensinar ao ar livre, mostrando a física na natureza. Poderia, também, evitar o posto de autoridade, afinal o professor é mais um ser humano e na ciência não há autoridades, no máximo especialistas. Essa postura muito se assemelha a dos sofistas (do grego “sophistēs”, que significa “sábio”),o professor deveria se comportar mais como filósofo, ou seja estar mais aberto para novas ideias e usar o espaço da sala de aula para fazer isso.
Os professores poderiam contextualizar o que se aprende de forma que ao estudar sobre as “Três Leis de Newton”, entenderíamos o que se passava na mente do físico e como ele chegou àquela teoria.
Deveria, também, haver mais projetos promovendo a colaboração de alunos, em contraste com a desumana competição estimulada entre os alunos. Por enquanto talvez beire o impossível fazer estas “drásticas” mudanças, mas nós, os alunos podemos popularizar a ciência, divulgar de outra forma.
Uma ideia pode ser um catálogo entregue aos alunos todo mês sobre física, em temas como: “De onde viemos?”, “Do que somos feitos?”, “ Por que usamos a matemática para entender a natureza?”, entre outros.
Além de palestras trazendo físicos para contarem sua experiência no meio científico.
Algumas dessas medidas estão sendo feitas atualmente na Finlândia por exemplo. O país se destacou por reformular por alcançar 5º/70 lugar em ciências no exame Pisa ( avaliação internacional que mede o nível educacional de jovens de 15 anos nos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), enquanto o Brasil se posiciona em 63º/70 . Lá os estudantes pesquisam, fazem projetos, solucionam problemas, analisam, discutem sobre eles e exploram o que aprendem nas salas de aula.
Finalizando…Em cadeiras enfileiradas aprendendo sobre as leis que governam o Universo, mas num ninho, entendendo como os átomos se formam para formar tudo o que vemos, mas num ninho, descobrindo como os planetas mantêm seu curso em torno do sol, mas num ninho. Quiçá com essas medidas, a âncora quebre-se e as asas de quem foi feito pra voar finalmente se armem em direção à curiosidade.
Por Júlia Pinheiro Ceddia
Aluna Colégio Pedro II