Bolsonaro quer cobrança de mensalidade em universidades federais

Segundo publicação da Exame, a equipe que prepara o programa de governo do candidato Jair Bolsonaro (PSL) quer instituir a cobrança de mensalidades em universidades federais para alunos de maior renda. Pela proposta, recursos arrecadados formariam um fundo para ajudar no financiamento das vagas para estudantes carentes. Embora tenha aceitação maciça no grupo, a recomendação é falar pouco sobre o plano. O receio é de que a divulgação provoque polêmica e atrapalhe o desempenho eleitoral do candidato.

Integrantes da equipe, no entanto, dão como certa a implementação da medida. Como justificativa, citam o fato de que grande parte das vagas das universidades federais é ocupada por alunos que cursaram escolas particulares e, portanto, integrantes de famílias que podem arcar com mensalidades. Argumentam ainda que os recursos seriam importantes para reforçar o ensino básico.

O ensino público gratuito, no entanto, é garantido pela Constituição. O artigo 206 menciona a gratuidade como um dos princípios. Para mudá-lo, seria necessário aprovar um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), o que exige o voto favorável de três quintos dos parlamentares, depois de duas discussões na Câmara e no Senado. Há ainda decisões semelhantes do Supremo Tribunal Federal que impediram cobrança até de taxas de matrícula em instituições públicas. “Esse não é um tema simples e hoje é inconstitucional”, diz a professora de Direito de Estado da Universidade de São Paulo (USP) Nina Ranieri.

A equipe de Bolsonaro toma por base estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mostram que o Brasil investe três vezes mais no ensino superior do que no ensino básico. Segundo dados do Ministério da Educação, são R$ 5,9 mil por aluno, por ano, no básico e R$ 21 mil, no superior.

A ideia é criticada pelo presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Reinaldo Centoducatte. “Isso não vai resolver o problema. Para começar, a estratégia se baseia em conceitos errados”, afirma. Estudo da Andifes divulgado em 2016 mostra que dois em cada três estudantes de universidades federais são de classe D e E. O trabalho, feito com base em entrevistas de 2014 com graduandos, mostrava que 66,2% dos alunos vinham de famílias cuja renda não ultrapassava 1,5 salário mínimo per capita. E a desigualdade até vem diminuindo com os anos, segundo a Andifes.

Para ele, a medida pode reduzir o acesso ao ensino superior e, com isso, restringir as chances de o País se tornar competitivo. “As exigências no mercado de trabalho estão cada dia maiores. É preciso abrir, não fechar portas.”

Nina também diz que seria preciso fazer um plano complexo sobre quanto seria cobrado e como o dinheiro seria destinado. “Alguns estudos mostram que nem compensa cobrar, que o que vai vir de dinheiro não refresca nada, especialmente para as universidades que têm Medicina e Odontologia”, diz a especialista da USP. “Pode ser uma grande falácia, que não vai fazer frente ao custo das universidades. Teríamos de cobrar patamares de Harvard para fazer algum sentido.” A universidade americana tem hoje anuidade de cerca de US$ 70 mil (cerca de R$ 300 mil ao ano ou R$ 25 mil por mês).

A medida teria também como foco agradar a municípios, que aguardam reforços para o financiamento do ensino básico. Uma série de encontros da equipe de Bolsonaro já foi realizada com representantes locais. Além de obter recursos, a meta é influenciar o conteúdo do ensino básico. Uma das propostas é se inspirar em escolas militares. A ideia é começar por áreas consideradas prioritárias, como cidades de fronteira e com índices maiores de agressão contra professores.

Por DCM