BASE NACIONAL COMUM E A DEFESA DA CENTRALIZAÇÃO CURRICULAR NAS CANDIDATURAS AO PLANALTO

Enquanto o Plano Nacional de Educação (PNE) é sistematicamente descumprido e a Reforma do Ensino Médio enfrenta resistências nas ruas, uma política educacional vai de vento em popa no Brasil: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A primeira versão da BNCC surgiu no governo Dilma. Sua estrutura básica tem muitas semelhanças com o documento para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental aprovado dois anos depois no governo Temer. Os defensores da BNCC de antes e de agora têm em comum a crença de que um currículo centralizado pode mitigar desigualdades educacionais, garantindo os chamados “direitos de aprendizagem”.

No entanto, educação não é aprendizagem. O “direito à educação”, que deve ser garantido pelo Estado, é portanto muito diferente de um juridicamente maldefinido “direito de aprendizagem”. Quando a linguagem da educação é substituída pela da aprendizagem, aquilo que é projeto coletivo (a educação) vira um projeto eminentemente individual (a aprendizagem). A BNCC e o seu linguajar “aprendificado” – termo de Gert Biesta, filósofo da educação – dão forma a um projeto de educação ultraliberal em que a própria educação, como projeto coletivo que é, se vê ameaçada.

A maior parte das críticas à BNCC presentes no debate público passa longe do cerne do problema: a própria ideia de centralização e homogeneização curricular. Não é diferente nos programas de governo das candidaturas à Presidência da República.

O programa de Ciro Gomes (PDT) defende a rediscussão da BNCC para o Ensino Médio com a sociedade, mas a assume como um instrumento necessário para viabilizar a melhoria “da qualidade [da educação], mensurada através dos resultados do Ideb e PISA”. O programa de Marina Silva (Rede) é mais centrado no apoio técnico e financeiro a estados e municípios para a “missão” de implementar a BNCC, mas também toma a Base como ponto de partida.

O plano de Fernando Haddad (PT) propõe “fortes ajustes” na BNCC, “para retirar as imposições obscurantistas e alinhá-la às Diretrizes Nacionais Curriculares e ao PNE”. Para a candidatura, o problema da BNCC é o que foi feito dela após o golpe de 2016. Apesar de a farsa participativa no processo de construção da BNCC ser anterior ao golpe, o programa propõe uma reformulação curricular “construída em diálogo com a sociedade”, pressupondo que a BNCC é necessária.

O programa de Guilherme Boulos (PSOL) é o único a se declarar contrário à padronização curricular, “modelo que se presta aos interesses dos mercados editoriais, consolida e legitima as grandes avaliações e pouco considera as necessidades e diferenças da educação brasileira”, propondo a revogação da BNCC e a reabertura do debate público.

A candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) evoca a BNCC de um modo estranho, atrelando-a a mecanismos de aprovação automática e à “disciplina” nas escolas. No mais, não se pode dizer que esse programa não trate de questões curriculares caras à candidatura: doutrinação ideológica, sexualização precoce, PISA, “mais matemática, ciências e português” – um misto de charlatanisno pedagógico, reacionarismo e apologia à discriminação nas escolas.

Ainda nos temas curriculares, embora sem mencionar a BNCC, Eymael (DC) propõe a (re)introdução da disciplina Educação Moral e Cívica no Ensino Fundamental. No polo oposto, o programa de Vera Lúcia (PSTU) defende uma educação “que ensine o respeito e a diversidade”, rechaçando o projeto “Escola Sem Partido”.

Os demais programas não mencionam a BNCC e também não tratam de questões que poderíamos chamar “curriculares”. As propostas para a educação nos programas de Alckmin (PSDB), Amoêdo (Novo) e Meirelles (MDB) priorizam a primeira infância, de certa forma corroborando a adesão ideológica dessas candidaturas à BNCC, pois não há dúvida de que, como política educacional, a BNCC é uma política muito mais barata do que, digamos, tudo aquilo que está no PNE. Como política “reguladora”, a Base é naturalmente palatável a candidaturas que pregam o enxugamento do Estado.

O que preocupa, em praticamente todas as candidaturas, é a existência de um consenso sobre a necessidade de uma BNCC e a crença na redenção das mazelas educacionais pelo currículo. Política curricular – algo que temos de sobra no Brasil – não é currículo. A julgar pelo que trazem os programas das candidaturas ao Planalto, esse debate ainda vai longe.

Fernando Cássio, educador, doutor em Ciências (Química) pela USP e professor da Universidade Federal do ABC. É membro do DiEPEE, grupo de pesquisa “Direito à Educação, Políticas Educacionais e Escola”. Faz parte da Rede Escola Pública e Universidade e do Comitê SP da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Como pesquisador, tem se dedicado ao estudo de políticas de currículo, desigualdades educacionais e direito à educação.

Redação Carta Capital