Paul Adrien Maurice Dirac, um dos formuladores da Mecânica Quântica, fundador da Teoria Quântica de Campos e um precursor de tantas ideias e conceitos da Física Teórica e da Matemática. Um esteta – se poderia mesmo dizer, um estilista – da Física. Dirac foi um emancipador, no estrito sentido latino do termo – “ex-manus capere”, sem a mão que agarra – e um transgressor e libertador, rompendo com a metodologia Galileo-Newtoniana, ultrapassando as fronteiras do método científico tradicional e elevando a abstração, a Matemática e a busca de uma estética no pensamento à categoria de legítimos instrumentos de observação da Natureza. Dirac assume como sua causa científica a qualidade intrinsecamente matemática da Natureza e constrói a sua trajetória em Física partindo de observações e premissas muito simples, mas trazendo nova matemática para os seus problemas, ao invés de levar os seus problemas para a Matemática. Dirac inventou nova matemática para construir nova física. Ideias simples e profundas, frases curtas (ele costumava dizer que nunca se deve iniciar uma frase sem saber como esta será concluída), verdadeiros saltos quânticos em um raciocínio muito linear e previsões que arrebataram a comunidade física do final dos anos 1920 e 1930, bem como influenciaram fortemente a Física de Interações Fundamentais ao longo de todo o Século XX e mesmo do presente século.
Paul Dirac chega à Universidade de Cambridge em 1923, onde obtém o seu PhD em Física sob a orientação de Ralph Fowler. O ano de 1923 já acumulava toda uma tensão pré-Mecânica Quântica, com os trabalhos de Max Planck em 1900, Philipe Lénard em 1902, Albert Einstein em 1905 e 1917, Ernest Rutherford em 1911, Niels Bohr e Élie Cartan (matemático) em 1913 e, por último, Arthur Compton em 1922-1923. Dirac chega a Cambridge e a Física fundamental que buscaria perscrutar lhe apresenta duas partículas de matéria (o elétron e o próton) e o quantum de luz de Albert Einstein, que Compton acabara de elevar à categoria de partícula – o fóton – após os seus experimentos. Três partículas portadoras de cargas muito representativas: o elétron com a sua carga, -e, o próton com a carga oposta, +e, e o fóton, neutro. Três números (-1, 0 e +1) caracterizando as cargas das partículas conhecidas naquela época. Este era um dado extremamente significativo para Dirac – por nada acidental – e para a trajetória marcante, singular, que viria a descrever na compreensão das interações fundamentais e que foi o epicentro do Modelo-Padrão da Física de Partículas.
Entre a sua chegada a Cambridge, em 1923, e Agosto de 1925, Dirac publicou alguns trabalhos ainda distantes daquele Dirac que emergiria em Novembro de 1925. Este foi o ano de uma grande inspiração para o Mestre: Goudsmit e Uhlenbeck propõem a grande novidade que foi a ideia do spin do elétron, e Heisenberg, passando por Cambridge, em Julho, apresenta o seminário sobre a sua Mecânica Matricial, a pedra sobre a qual se ergueu a Mecânica Quântica. Inspirado e estimulado pelas notas que Heisenberg passou a Fowler, Dirac mergulhou neste tópico e, em Novembro de 1925, já publica o trabalho que o coloca na categoria de fundador da Mecânica Quântica, juntamente com Werner Heisenberg, Max Born e Pascual Jordan. “The fundamental equations of Quantum Mechanics” é publicado em Novembro de 1925 nos Proceedings da Royal Society de Londres.
Em Maio de 1926, Dirac defende a sua Tese de Doutorado, “Quantum Mechanics”; em Agosto de 1926, publica “On the theory of Quantum Mechanics” e, ainda neste mesmo ano, lança o trabalhos “The physical interpretation of the quantum dynamics”, publicado nos Proceedings da Royal Society de Londres, e “On quantum algebra”, que é lançado nos Proceedings of the Cambridge Physical Society. Nestes trabalhos, Dirac reformula a abordagem matricial de Heisenberg, Born e Jordan pelos seus chamados q-numbers e, segundo ele mesmo, qualifica estes trabalhos como os seus preferidos. O nascimento da Mecânica Quântica como uma nova teoria da Física já tem em Dirac um de seus arquitetos.
Em 1927, seguindo na busca da compreensão dos mundos atômico e subatômico, Dirac realiza – e é a primeira vez que isto é feito – a quantização de um campo: o campo eletromagnético. Até então, a matéria – o elétron e o próton – tinham tido o status de um objeto quantizado, juntamente com o quantum de luz de Einstein e Compton. Nos trabalhos “The quantum theory of absorption and emission of radiation” e “The quantum theory of dispersion”, Dirac propõe a quantização do campo eletromagnético – ou, a versão quântica das Equações de Maxwell, como Dirac gostava de se referir aos mesmos.
Seguindo sua trajetória, marcada pela ideia quase obsessiva de compreender a fundo o elétron e sua estrutura interna, caracterizada por seu spin, Dirac lança, em Janeiro e Fevereiro de 1928, os dois trabalhos que o transformaram no Homem-Equação: “The quantum theory of the electron” e “The quantum theory of the electron – Part II”. Nestes trabalhos, Dirac consegue propor uma formulação quântico-relativística para o spin do elétron, complementando o trabalho de Wolfgang Pauli de 1927, no qual Pauli propõe a sua equação não-relativística para o spin do elétron via Equação de Schrödinger, esta última tendo sido publicada em Dezembro de 1926.
Dando continuidade à sua equação relativística para o elétron, Dirac lança o seu trabalho “A theory for electrons and protons” em 1929, no qual a interpretação física que atribui aos estados de energia livre negativa o leva à introdução do conceito de vácuo quântico, o que representa uma novidade altamente consequente para a Física de nossos dias. O vácuo das interações fundamentais e a sua relação com a constante cosmológica de Einstein é um dos maiores desafios que a Física contemporânea procura esclarecer. A partir daí, Dirac publica, em 1930, o seu célebre trabalho, “The proton”, na Nature, onde já avança a sua proposta futura sobre a anti-matéria. Neste profundo, mas simples, artigo de duas páginas, Dirac ainda estava considerando que o próton pudesse ser uma espécie de anti-elétron em estado excitado de energia, dado que sua massa é quase 1800 vezes superior à massa do elétron.
A este ponto, as discussões com Hermann Weyl foram decisivas para que Dirac reavaliasse o seu discurso e começasse a buscar uma simetria menos evidente em sua equação quântico-relativística para o elétron. Ressalta-se que Weyl, profundo conhecedor da Teoria de Grupos (lançou o livro “Group Theory and Quantum Mechanics” em 1931), conseguiu convencer Dirac de que a anti-partícula do elétron deveria ter a mesma massa que este, afastando a possibilidade do próton ser o anti-elétron. Com isso e seguindo os conceitos das simetrias e da estética, Dirac empreende a busca por uma simetria mais profunda em sua equação, publicando, em Maio de 1931, o célebre artigo “um-por-que-não-três”: “Quantised singularities in the electromagnetic field”. Apesar do título não revelar a busca que estava sendo empreendida neste texto, Dirac procurava investigar neste trabalho se o elétron era, de fato, uma partícula fundamental, elementar e, a partir daí, compreender por que as cargas fundamentais da Natureza são quantizadas: -1 (elétron), +1 (próton) e 0 (fóton). Três grandes resultados são anunciados neste único artigo de apenas dez páginas: a compreensão da quantização da carga elétrica das três partículas até então conhecidas, a previsão de existência de cargas (monopolos) magnéticas e da anti-matéria (anti-elétron e anti-próton). Um artigo de inestimável riqueza que redimensiona a relação entre Física, Matemática e Filosofia, tópico que Dirac discutirá em seu belo trabalho de 1939, “The Relation between Mathematics and Physics”, no qual se revela fortemente pitagórico e platônico.
O célebre trabalho “um-por-que-não-três” confere a Dirac o Prêmio Novel de Física de 1933, que divide com Erwin Schrôdinger, um dos co-fundadores da Mecânica Quântica. O anti-elétron (o pósitron) tinha tido a sua descoberta anunciada em 1932 por Carl Anderson. O reconhecimento do Nobel a Dirac foi justificado como devido à descoberta de novas formas de matéria sub-atômica. Descoberta teórica, com base em argumentação de simetria e forte crença – sempre professada por Dirac – na estética que a Física deve também buscar em sua tentativa de interpretar os fenômenos naturais seguindo o fluxo da Matemática.
É oportuno salientar aqui que, em 1930, Dirac publica o seu livro “The Principles of Quantum Mechanics”, um dos pontos altos da literatura física do Século XX, no qual notável concisão, clareza cristalina e estética se combinam em uma insuperável organização mental, tornando-o um clássico de todos os tempos.
Com a literatura Diraqueana até o ano de 1931, já temos elementos em abundância para colocá-lo, juntamente a Einstein, na categoria dos dois mais importantes e influentes físicos teóricos do Século XX. Apesar de sua ligação com a Matemática, Dirac sempre se colocou como um físico teórico que, como já dito anteriormente, buscava e trazia nova Matemática para as suas questões físicas, o que o levou a grandes antecipações tanto na Física como na Matemática.
O seu caráter transgressor fica muito evidenciado quando ouvimos opiniões de grandes nomes contemporâneos de Dirac. Em 1928, o ano do lançamento dos trabalhos da Equação de Dirac, Heisenberg, em correspondência a Niels Bohr e Wolfgang Pauli, escreveu:
“The saddest chapter of Modern Physics is and remains the Dirac theory.” e
“Up till that time I had the impression that in quantum theory we had come back into the harbour, into the port. Dirac’s paper threw us out into the sea again.”
Wolfgang Pauli, em 1932, pouco antes da descoberta do pósitron, relatada em Setembro de 1932, comentou, em referência ao trabalho de 1929 sobre os elétrons e prótons:
“Recently, Dirac attempted the explanation of identifying the hole with antielectrons, particles of charge (+e) and mass same as the electron. We do not believe, therefore, that this explanation can be seriously considered.”
Silenciosamente, timidamente mesmo, Dirac transgredia; a sua grande eloquência estava na perseverança de suas ideias e na forma obstinada como as defendia. Um dos coautores desta contribuição (J. A. H.-N.) teve a oportunidade de um convívio acadêmico muito intenso com o Prof. Dirac no International Centre for Theoretical Physics (ICTP) e na International School for Advanced Studies (SISSA), em Trieste – Itália, durante seus anos de Doutorado. E a sua observação, através das aulas, palestras e discussões com o Prof. Dirac, sempre com a mediação do Prof. Abdus Salam, é que a grande capacidade do Mestre de resistir às críticas violentas de grandes nomes da Física de sua época, bem como prosseguir com suas ideias e postura sobre a relação da Física com a Matemática, provinha de suas convicções filosóficas, de seu pensamento estruturalista, que o fazia acreditar que tudo aquilo que observamos na superfície dos fenômenos origina-se de estruturas mais fundamentais, que podem não se fazer perceber no mundo onde estes fenômenos se materializam e são observados nos experimentos.
A emancipação e a libertação que Dirac trouxe para a Física estão fundamentadas na sua observação transcrita abaixo, e extraída do Dirac filósofo da Ciência, em seu clássico artigo “The Relation between Mathematics and Physics”, publicado nos Proceedings da Royal Society de Edimburgo em 1939:
“The physicist, in his study of natural phenomena, has two methods of making progress: (1) the method of experiment and observation, and (2) the method of mathematical reasoning. The former is just the collection of selected data; the latter enables one to infer results about experiments that have not been performed.”
Isto significa que, mesmo sem a tecnologia à disposição para a realização de experimentos de Ciência básica, exploratória, no domínio mais íntimo da matéria, a Matemática pode nos abrir caminhos, levando-nos a regiões dominadas pela virtualidade. Se estes resultados são bem interpretados e demonstram ter impacto, sendo também uma Ciência Experimental, a Física colocará em sua agenda experimentos que testem estas propostas. Neste processo de elaboração dos experimentos, nova tecnologia pode ser gerada, como também novas tecnologias podem ser desenvolvidas em consequência das descobertas que vierem a ser, eventualmente, feitas. A Física de Partículas e Interações Fundamentais desenvolvida a partir da década de 1950 nos traz muitos exemplos nesta direção, com a construção de grandes aceleradores e detectores na investigação do domínio sub-nuclear da matéria.
Ainda em seu texto filosófico de 1939, o ponto de vista Diraqueano sobre o papel da estética e da beleza na formulação de teorias físicas (dizia Dirac, “Beauty is the method”) fica evidenciado nas palavras que seguem abaixo:
“What makes the theory of relativity so acceptable to physicists in spite of its going against the principle of simplicity is its great mathematical beauty. This is a quality which cannot be defined, any more than beauty in art can be defined, but which people who study mathematics usually have no difficulty in appreciating. The theory of relativity introduced mathematical beauty to an unprecedented extent into the description of Nature.”
Dirac manteve-se ativo em pesquisa ao longo de toda a sua vida. Nesta nossa contribuição, estamos focalizando na obra literária mais diretamente relacionada à formulação da Mecânica Quântica. Não pretendemos citar toda a sua extensa literatura, com mais de duzentos trabalhos publicados. É nosso interesse sobretudo mostrar o Dirac com a sua postura de físico teórico, fortemente apegado à Matemática e com sólidas convicções filosóficas e metafísicas. A sua grande busca, que poderíamos colocar como seu objeto de inspiração, foi o elétron e sua eventual estrutura. Dirac, em artigos que publicou nas décadas de 1930, 1950 e 1960, buscava a compreensão da estabilidade e de uma eventual composição desta partícula primordial.
Em 1963, em seu artigo pouco conhecido da comunidade física, e publicado no Journal of Mathematical Physics, “A remarkable representation of the de Sitter (2+3) group”, Dirac chega ao conceito de uma estrutura a que chamou de singleton, e que poderia ser uma partícula ainda mais fundamental do que o elétron, da qual este seria composto. Para Dirac, os singletons, partículas confinadas (sem realização física direta) por alguma dinâmica no espaço-tempo quadridimensional da Relatividade Especial, seriam os objetos fundamentais em termos dos quais se constituiriam as partículas elementares, entre as quais o fóton e os neutrinos. Nesta época, duas famílias de neutrinos – previstos por Pauli em 1930 – já haviam sido descobertos: o neutrino do elétron, em 1956, e o neutrino do múon, em 1962.
A proposta dos quarks, atribuída independentemente a Murray Gell-Mann e George Zweig em 1964, levou Dirac, posteriormente, a também supor que estes, como o elétron, o múon, os neutrinos e o fóton, pudessem, por sua vez, aparecer como estados compostos de singletons. Anos depois, em 1974, Abdus Salam e Jogeshi Pati reapresentam os singletons de Dirac em uma outra abordagem – uma dinâmica do tipo Yang-Mills – e os denominam preons, as partículas precursoras da matéria do Modelo-Padrão das Interações Fundamentais. De fato, em sua última passagem pelo ICTP – Trieste em 1983, Dirac discutia a importância de se averiguar se o elétron teria um momento de dipolo elétrico não-trivial, em oposição ao resultado da Eletrodinâmica Quântica, e que deveria estar no centro das atenções da Física fundamental a busca de uma teoria primordial que pudesse calcular com a máxima precisão a constante de estrutura fina. Estes foram pontos sobre os quais Dirac insistia fortemente em seus anos finais. Aliás, nestes anos, Dirac viu materializada uma de suas grandes buscas: a existência de uma teoria quântica de campos finita no ultravioleta (regime de altas energias), sem a necessidade de sofrer processo de renormalização, através qual os “infinitos” seriam eliminados e as quantidades físicas deveriam ser reinterpretadas. Ele era um intransigente defensor da ideia de que uma teoria realmente fundamental devesse ser livre de qualquer processo de renormalização.
Entre 1981 e 1983, Dirac presenciou a concretização desta sua incessante busca: as chamadas Teorias de Super-Yang-Mills-N=4-D=4 ficaram categorizadas, através de uma série de trabalhos, como teorias quânticas finitas a todas as ordens perturbativas. Dirac participou de debates sobres as mesmas na Escola Internacional de Erice em 1982, realizada no Centro de Cultura Ettore Majorana, em Trapani – Sicília, e, posteriormente no ICTP – Trieste, em 1983. Nestas ocasiões, Dirac insistia que estas teorias deveriam cumprir o papel de permitir o cálculo da constante de estrutura fina mesmo que consideradas em nível preônico. A sua sugestão perdura sem resposta até os dias de hoje.
Com a chamada I Revolução das Cordas, em Setembro de 1984, o projeto de se poder calcular a constante de estrutura fina a partir de uma teoria fundamental que finita no ultravioleta, como sustentava Dirac, deslocou-se do eixo das teorias de gauge supersimétricas para o cenário das supercordas. Entretanto, com as dificuldades inerentes à redução de 10 para 4 dimensões, e o chamado “landscape problem”, o projeto sugerido por Dirac continua em aberto no âmbito das supercordas.
Quando falamos de dois físicos do calibre de Einstein e Dirac, uma discussão colateral que surge é o atributo de genialidade. O gênio é uma construção que, muitas vezes, oculta qualidades fundamentais demonstradas por estes dois ápices da Física Teórica do Século XX. Ambos tinham clareza absoluta de quais eram as questões científicas fundamentais de sua época, ambos defendiam as suas premissas filosóficas e metafísicas com convicção extrema e ambos estenderam limites muito além do que era estabelecido em sua época, tornando-se “transgressores”. Talvez, para um aprofundamento deste ponto, a leitura do livro “Mozart, a sociologia de um gênio”, de Norbert Elias, seja uma recomendação a ser considerada.
A nossa contribuição concentra-se em Dirac e, portanto, vamos nos estender um pouco mais sobre ele. Há que se ressaltar uma qualidade, até aqui, não mencionada em nosso texto: a sua notável intuição física e a capacidade de sintetizar grandes questões de sua época. Esta sua intuição, aliada à sua insuperável qualidade de criar e trazer nova Matemática para as suas questões físicas, induzindo no processo o desenvolvimento de uma nova Física, foi elemento fundamental para que a era pós-Diraqueana culminasse com a elaboração do Modelo-Padrão da Física de Partículas e, prosseguisse, com novas formulações além do Modelo-Padrão. Dirac, suas ideias e seu posicionamento frente à Física, à Matemática e à Filosofia são elementos de grande atualidade na Física Teórica em geral, não só na teoria das partículas e interações fundamentais. Dirac está presente aonde os férmions estão presentes: no grafeno, nos materiais em estado topológico, na Astrofísica e nos sistemas físicos onde houver férmions e a relatividade se fizer sentir. Pode-se quase falar de uma Física com “ubiquitous Dirac”.
Concluindo, devemos também ressaltar a posição política de Dirac, fortalecida através de sua grande amizade com os físicos russos, Igor Tamm, laureado com o Nobel de Física em 1958, e com Pyotr Kapitsa, que, em duo com Dirac, concebeu o chamado efeito Dirac – Kapitsa em 1933, o dual do efeito de difração da luz por uma rede de difração. A sua forte relação com a Física da ex-União Soviética teve consequências decisivas para o desenvolvimento da Física Teórica no Japão, influenciando fortemente Hideki Yukawa e Sin-Itiro Tomonaga, ambos também vencedores do Nobel de Física. A postura política de Dirac, demonstrada em sua forte relação com a comunidade física soviética, teve desdobramentos que transcenderam à simples dinâmica das relações científicas.
Dirac, apesar de toda o folclore que o cerca, de um físico tímido e hermético em seu mundo, era, cientificamente falando, extremamente comunicativo, lançando as suas ideias e as compartilhando com a comunidade científica, sendo criticado e sustentando os seus pontos de vista, por mais que fossem, deslocados de sua época. Ele nos ensinou como a estética e a beleza matemática podem, aliadas a questões fundamentais da Física, nos mostrar os caminhos para uma virtualidade nos bastidores de mundos imagináveis. Estes caminhos podem levar a descobertas e revelações extraordinárias, de altíssimo significado para o mundo do Conhecimento, e com nenhum vislumbre de aplicação imediata. Se o significado existe, a aplicação virá, ainda que décadas mais tarde. Dirac, como outros grandes transgressores da Física, nos deixou a lição de que não é buscando para-o-que-serve, mas perseguindo o-que-significado, que a verdadeira Ciência, o verdadeiro Conhecimento, encontra o seu pleno. Para nada pareciam servir as ondas eletromagnéticas quando foram descobertas; o elétron e o núcleo atômico, ao serem descobertos, eram vazios de aplicações; Dirac, ao fazer a predição de existência do pósitron, não imaginaria a importância da PET-CT (Terapia por Emissão de Pósitrons) no tratamento do câncer. Naquele momento, 1931, o que se considerava era uma nova simetria presente na descrição quântico-relativística do elétron. Estava em discussão a relação entre dois campos estruturantes da Física: a Relatividade e a Mecânica Quântica, que Dirac soube fundir em uma equação imortalizada com o seu nome. A História nos mostra que a aparente inutilidade da Ciência de uma época torna-se uma grande utilidade em uma era posterior. Nesta chave, Dirac construiu a sua trajetória, percorrida em busca da Física mais fundamental possível, sem um horizonte à vista; este horizonte permanece além do arco-íris ainda em nossos dias.
Por José Helayel e Leo Ospedal