O que pretende o governo, através do Ministério da Educação, com o projeto Future-se? Pelos textos e argumentos apresentados em sua defesa, tal projeto faria com que as universidades se beneficiassem de um apoio financeiro do setor privado. O projeto também fortaleceria, segundo o MEC, a autonomia de gestão das instituições federais de ensino superior e aumentaria a internacionalização das instituições de ensino e pesquisa. Ora, tais coisas não fazem sentido.
A hipótese de um apoio financeiro do setor privado só seria crível se fosse ele o proponente do projeto e indicasse as formas desse apoio. Ainda que o projeto afirme promover inovação, competitividade e desenvolvimento empresariais, em nenhum momento houve uma manifestação clara em sua defesa vinda desse setor, mesmo porque as possibilidades de interação com as instituições públicas de pesquisa e ensino que já existem são suficientes.
A afirmação quanto ao fortalecimento da autonomia financeira também não faz sentido. Ao contrário, ao impor parcerias com organizações sociais e empresas, essas entidades passariam a interferir nas decisões das instituições de ensino e pesquisa, introduzindo interesses que não o desenvolvimento acadêmico, científico e educacional, enfraquecendo sua autonomia, e não fortalecendo.
Por que acreditar que o que se pretende é fortalecer a autonomia das universidades se já hoje não se respeitam seus orçamentos e os processos de escolha de dirigentes adotados pelas próprias instituições?
Como é possível, também, acreditar na pretensão da maior internacionalização das instituições federais de ensino e pesquisa vinda de um governo que reduz os gastos conjuntos da Capes e do CNPq, fundamentais para a internacionalização, para menos da metade do que eram há poucos anos?
Segundo informações divulgadas pelo MEC, o Future-se implica realocação de muitas dezenas de bilhões de reais. Um projeto dessa monta deveria ser muito detalhado, antecedido de um estudo cuidadoso e transparente e de um diagnóstico dos sistemas afetados, indicando como e em quanto eles seriam beneficiados ou prejudicados. Feitos esses estudos, caberia provar que os ganhos superam as perdas. Nada disso foi feito. O que foi apresentado para defender o projeto corresponde a uma série de ideias preconcebidas (e erradas), ilusões, propaganda e frases de efeito.
Muitos aspectos do projeto têm sido criticados, tais como: a facilitação do reconhecimento de diplomas, especialmente grave na área de saúde; a ausência de consultas e informações prévias aos dirigentes das instituições envolvidas; o estabelecimento de dupla porta de entrada nos hospitais universitários e o consequente aumento da iniquidade; a apropriação privada de recursos públicos. Apesar da fundamentação dessas e de outras questões apontadas, não houve qualquer resposta adequada por parte do governo federal.
Vale observar que o projeto refere-se à relação das instituições de ensino e pesquisa com empresas, mas não com outras formas de organização. Ora, empresa é uma forma de propriedade cujo objetivo é explorar, visando ganhos, um ramo de negócio, não necessariamente produzir bens úteis e prestar serviços à sociedade. O Future-se, por exemplo, facilitaria a interação com uma empresa de tabaco visando aumentar seus ganhos, mas em nada facilitaria a interação com uma entidade não empresarial, pública ou privada, na área de saúde.
Tal projeto parece mais uma forma de fazer com que o estrangulamento orçamentário das instituições federais de ensino superior as force a aceitar que parte de seus recursos sejam transferidos a organizações sociais e empresas, e volte “carimbado” por elas.
Com o Future-se, sabemos o que o ensino, a pesquisa e a extensão de serviços à sociedade perderão, mas não temos nenhuma indicação do que se pode ganhar.
Otaviano Helene é Professor do Instituto de Física da USP, ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) e autor do livro “Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento”
*Publicado originalmente na Folha de S. Paulo
Por Otaviano Helene